segunda-feira, 5 de abril de 2010

O Homem de lata e eu
















Certa vez, caminhando por uma estrada vazia
Vagava sem saber ao certo o que acontecia
No peito uma dor muito forte
Lembrei de ter ido deitar assim.

Eu estava sonhando e a dor continuava,
mas enfim tinha adormecido e fazia força para não acordar.
O céu estava cinza e as cores eram pálidas e sem brilho,
Me senti em um filme quase preto e branco.

Continuava a caminhar em frente
além de um terreno árido a beira da estrada
Apenas uma árvore seca parecia resistir ao tempo
Nela uma figura alta e forte permanecia sem muita definição.

Apoiado na árvore e como se esperasse por minha passagem
A cada passo podia definir mais e mais aquela figura
Era o homem de lata, aquele do fantástico mundo de Oz
Como se esperasse minha presença ele sorriu e me deu boas vindas.

Estávamos no meio do nada, apenas uma estrada e algo que não havia notado antes
Após a árvore havia uma encruzilhada que seguia seus caminhos até a linha do horizonte.
Sem fazer um único movimento com os lábios o senhor de lata me perguntou o que fazia ali.

-Não sei ao certo, achei que estivesse sonhando. Fiz tanta força para descansar,
mas agora tudo parece tão real... – disse, sem acreditar no que acontecia.

- Porque apertas tanto o seu peito? - perguntou o senhor de Lata.

- Sinto muita dor em meu coração. - naquele momento resolvi que deveria seguir
com naturalidade e relaxar.

- Respira, calma, solte bem devagar os músculos de sua mão. - disse o homem de Lata.

- Já ouvi isso antes, estou respirando e há muito tempo já me acalmei. Por que falas assim comigo?

- Porque tenho a impressão que estás causando uma dor desnecessária a si mesmo.

- Você não me entende, não pode entender.

- Porque eu não tenho um coração?

- Desculpe, mas é isso mesmo!

Naquele momento vi que minhas mãos brilhavam forte
Um vermelho escarlate que também vinha do meu peito.
Minha camisa descolorada lembrava uma antiga blusa
azul marinho que tanto gostei, mas havia um buraco nela.

- Em diversos momentos e por diversos motivos temos dificuldade em entender algo, mas
a vontade de compreender pode ajudar muito. - continuava de forma serena o senhor de Lata.

- Há muito não consigo dormir direito, essa dor parece insuportável;
mas, ao mesmo tempo, não me leva a lugar algum.

Enquanto falava, observei de novo o buraco que se estendia da camisa para a pele.
Dentro do meu peito um enorme vazio e o mesmo vermelho escarlate.

- Sofres por amor e tenho andado a procura dele por toda minha vida. - nessa hora, o que deveria ser uma lágrima, escorre cinza de seus olhos.

Lembrei que o homem de lata da estória ganha um coração que na verdade sempre existiu.

- Mas já encontrei tantas vezes... por que não consigo manter ele dentro de mim? - disse triste com a situação.

- Seria impossível dizer os motivos de todas as mudanças em nossas vidas, mas podemos crescer a cada tombo, a cada virada, a cada momento e seguir lutando.

- Mas estou cansado, talvez não saiba mais jogar esse jogo.

- As minhas desilusões me deixaram forte e hoje poucos conseguem me ferir. - disse o senhor de lata.

- Mas a pouco estavas a chorar!

Dali pra frente o homem de lata me disse que depois de ganhar um coração e perceber que ele sempre existiu foi viver a vida.
Foi se apaixonar e se entregar aos sentimentos que há tanto tempo buscava, vivia intensamente a entrega e toda recompensa que o amor nos dá.
Foi encontrar o calor de um outro alguém, o prazer de estar ao lado e crescer no amor dividido e vivido a dois.
Com o passar dos tempos, percebeu que a conquista dos dias às vezes se perdia e toda aquela emoção atrapalhava em muito a sua racionalidade.
Foi moldando aos poucos o sentir, o amar, a entrega e, de repente, chegou à conclusão que poderia apenas amar os dias e a vida.
Precisava amar a si próprio e que mais nada poderia lhe retirar a liberdade de ir e vir.
Que os erros que outrora suportara não seriam mais permitidos.

- Sou livre! - finalizou o senhor de lata.

- Mas estavas a chorar!

- Você apenas me confunde, deverias aprender e não deixar seu corpo sofrer tanto.

- Mas sem sentimento não estaria vivendo...

- Sentir demais não é viver, é suicídio. - retruca o senhor de lata.

Expliquei que também passei por um momento muito difícil em minha vida e nesse momento me desfiz de todos os escudos e defesas que vamos criando ao longo do tempo.
Lembrei de músicas que sempre disseram que temos que amar acima de tudo, da mensagem de um suposto profeta e diversos líderes que deram a vida para ensinar o amor.

- Mas perdeste por completo o amor que deveria ter a si mesmo. - Cortou o senhor de lata.

- Não concordo, por amar demais sei que devo oferecer isso ao meu eu todos os dias.

- E a dor de perder um amor? Seja cuidadoso! - ele parecia realmente preocupado comigo.

- Nunca será mais forte do que todos os momentos que ficarão no meu coração.

- A dor faz parte eu sei, mas o sofrimento é opcional! - disse o senhor de lata.

- Do que está falando, homem?

- Você está com um buraco no meio do peito, pelo visto não é o primeiro e não será o último. Pare de se torturar.

- Você já teve o prazer de reconquistar alguém?

- Não me lembro, não tenho tempo para ficar me lamentando ou me expondo dessa forma. Temos que ser racionais.

- Eu não lamento nem por um segundo o que sinto e em nenhum momento perdi a minha razão.

- Você é um louco!

- Não, posso não conseguir explicar pra você, mas estou raciocinando bem.

- Mas assim você está sofrendo!

- Não, assim estou mostrando à pessoa que mais importa o valor que podemos dar a outra pessoa.

- Mas não parece que estão dando valor a isso.

- Não importa! Você já viu um casal de idade avançada andando na rua? Já viu quando eles andam de mãos dadas? Já viu uma criança nascer? Já brigou e fez as pazes? No momento que encontrar alguém que me ame do jeito que sou e esteja preparado para crescer a dois, terei em minhas mãos o maior prêmio que a vida pode nos dar. O amor incondicional pode ser um santo Graal para muitos, mas para poucos que se aventuraram nessa entrega... A vida se refaz a cada nascer do sol. Quando não dão valor a isso não me sinto derrotado ou fracassado. Descubro que apenas não era o momento ou a pessoa certa, mas isso só poderei alcançar na entrega dos dias. Na luta da vida.

- Não sei o que lhe dizer, tenho medo.

- Eu entendo, mas não precisamos concordar.

- Então não encontrarei o amor novamente? – diz ele desesperado.

- Calma, os ventos mudam, o mundo gira. Talvez aconteça por acidente, mas o futuro é incerto. Talvez seja esse o seu caminho e em algum momento você vai encontrar a sua saída.

- Posso compreender você, mas me assusta. Você me parece insano e não queria que você se machucasse tanto assim.

- Estou bem, as feridas fecham, o corpo sara. As lembranças boas ficam e lembre-se de descartar as lembranças ruins.

- Me pergunto o que seria sanidade e o que seria insanidade nesse mundo...

- Não posso lhe dizer em que acreditar, mas acredito que insanidade é não amar.

O Homem de lata naquele momento sentou e chorou.
Eu tinha que ir embora e sei que meu coração está de mal comigo, mas eu tenho um presente pra ele.
Logo logo ele irá fazer as pazes comigo, logo logo ele será amado de novo e seguiremos sorrindo e lutando até o fim dos dias.
Ao retomar minha estrada não havia mais uma encruzilhada e o caminho seguia reto, percebi que o sol estava forte e brilhava na grama que não existia há pouco tempo.
Minha camisa estava azul marinho e linda como nova.
No peito ainda sinto aquele vazio e um mal estar enjoado, mas sinto como se tivesse dormido por horas.
Deve estar na hora de acordar...
Hoje será um novo dia!
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